I
repetimos feito as crianças repetem
os mesmos filmes, palavras, cigarros
again and again, eu digo, de novo
sempre há um labirinto
naquele buraco, naquele trem
ela não deveria conseguir ir tão longe no escuro
II
a mulher ainda está juntando os cacos
pisando nos cacos, fazendo deles sapatos
fazendo deles navalhas
máquinas vivíferas
e então
a voz
arranha uma cacofonia estranha
gostamos do que se repete
somos crianças ainda
evito repetir a palavra morte
peço outras rimas, aquela canção
um espiral não é o mesmo que um círculo
nunca haverá nada de novo
III
repito a palavra amor
apesar do clichê
insisto
no pudor que não vem
na dor que late ao joelho esquerdo
e as flores são mesmo tão bonitas
as túlipas também não crescem nessa latitude
crescem cordas de viola sobre paredes húmidas
IV
ela tateia pedras idosas
sabe de cor encontrar
caminhos sob as rachaduras
repetiu tantas e tantas vezes
a sina das ervas daninhas
a casa nunca existiu
talvez por isso desmorone
tremem as rochas debaixo da terra
ela sempre ela, retorna
eu também
V
repito seu nome
em V maiúsculo sob a lua
nunca alguém teve nome tão bonito
na superfície vejo seus olhos
pela vez que seguirá acontecendo
eternamente-Viva
outros labirintos
sinto que ando fazendo uma ficção com esses poemas, algo vai nascendo nas edições, é muito louco. estou ao vivo com vocês, me escutam? é como um palco, meia luz. não posso ver a plateia, algumas línguas vez ou outra, olhos em rápidos highlights. não se pode ouvir o som da minha voz quando se digita códigos num pequeno teclado. falhei em prometer narrar o que escrevo aqui, mas tenho uma breve sensação de que as letras fazem ruído.
Terramar — série de fantasia da Úrsula K. Le Guin — me pegou demais nesses tempos, andava desprevenida. um senhor vindo de outras eras passou por mim anunciando livros numa maleta velha e lá estava ele, O feiticeiro de Terramar. lacrado. parece ficção e deve ser. um dia antes eu estava na internet procurando algo da autora pra ler. a realidade é mesmo um grande conto tragi-fantástico.
nos versos de hoje minha personagem se cruza com a protagonista do segundo livro da série, As tumbas de Atuam. um labirinto real, saí tonta, os olhos ultrasenssíveis, pupilas dilatadas ainda. precisei de beats, coisas que se repetem, como os caminhos que vão e voltam. reorganizar bagunçando as ideias pra retornar a nossa Terra com menos impacto. escolhi o álbum meio beat meio banzo da poeta tatiana nascimento. chorei no metrô escutando “mil grau”. choro muito no metrô, quase sempre ouvindo música. deve ser mais fácil me ver chorando no transporte público do que com pessoas intimas, vai entender.
nesses tempos também fiz oficina de composição musical com uma mestra feiticeira que falava sobre os segredos da repetição. “somos crianças, gostamos de saber o que vem depois”. aquele refrão familiar, uma melodia em loop, uma batida. ela ensinou muito mais do que empilhar blocos pra se fazer uma canção. se me perguntarem eu não sei dizer exatamente o que foi que aprendi, mas sei que algo se movimenta aqui. ensinar deve ser uma nudez maior que o palco. uma entrega que nós, crianças, sanguessugas sedentas de qualquer coisa, agarramos. saímos repetindo, espalhando por aí. a sina das ervas daninhas.
uma granada de mão
tentei fazer uma edição curta pra focar na divulgação de algo importante, !meu novo livro!, mas falhei. sou ótima em falhar. por sorte também devo ser boa em escrever versos, pois aí está mais um livro olha só. tentarei ser breve.
granada começa com o poema “toda granada já foi romã” que nasceu nessa newsletter. dizem que é um livro em combustão, incendiário etc e tal. concordo, é também. revisito mitos, raivas, histórias de mulheres, ruínas contemporâneas etc. mas sei que estou buscando uma ternura perdida nalgum canto desse corpo, dessa terra. “eu tenho raiva, mas não é sobre isso o poema, você me entende?”
o livro está em pré-venda, que é um nome chique pra vaquinha ou campanha de financiamento. acontece que são os livros vendidos nessa fase que vão custear toda a produção. se você curte esse boletim, considere apoiar. um livro bonito em mãos e uma poeta feliz, bora?
maistrês
essa gravação de bandoleiro da dupla Luli & Lucina. Lucina foi minha maga/professora por 4 dias. bom demais aprender com essa compositora brasileira potente viva.
o chat dessa nius! tem muita poeta transcendendo os não-limites entre música e poema, como Tatiana Nascimento faz em meio beat meio banzo. tenho usado o chat pra trocar essas referências, chega lá :)
o
me mandou por lá a dica do álbum Real Grandeza, que celebra as parcerias de Jards Macalé com o poeta Waly Salomão.
é só tudo isso por hoje risos
bjbjbj,
Lara, quero ler o seu livro! Que poema, heim? 💕
Que versos lindos Lara!
Também sou muito fã da série O feiticeiro de terra mar, estou para ler o livro 3 (tenho ido devagar, saboreando o universo fantástico de Úrsula).