eu preciso
comprar um caderno
pra te escrever e dizer
ei lembrei de você
mas eu não vou
até a sua rua
já faz anos
e não pretendo voltar
mas ela passa
entre as 34
abas abertas
na minha mente
vez ou outra
junto com as ruas de pedras
de paraty ou tiradentes
junto com a minha vontade
de largar tudo e ir a lua
de um jeito qualquer
um foguete
um precipício
junto com a minha vontade de rasgar
aquele cartão-postal
junto com a minha vontade
de quebrar os pés de um bilionário
que vive sentado no trono apodrecido
do planeta um dia azul
vendo a vida desmoronar
enquanto cupins roem
cédulas e cristais
a terra seca
e eu subo as ladeiras
do fim dos tempos
com as cartas
que eu não escrevi
nem deveria
pra colocar
todos os pontos finais
e os pingos nos is
nas pálpebras
no raio que o parta
quando tudo acabar
ficam as almas
os cupins
e as palavras
não endereçadas
quando tudo acabar
resta a solidão do tempo
esse que é eterno
eu queria comprar um caderno pra te escrever
mas o meu tempo anda se despedaçando
esse que não é eterno muito menos terno e se esvai
dito isso, espero que entenda
já não posso andar pra trás
fecho o navegador
reinicio o sistema
e sigo
sem enviar
as malditas cartas
estudos poético-filosóficos
Sigo adentrando a profunda tese de Danielle Magalhães, que começa a se desdobrar trazendo o verso como um corpo inclinado tanto para o outro quanto para o desastre. Um verso sobretudo político, do amor ao horror. Seguem os recortes:
“aproximando-me de Mallarmé, é preciso dizer que o gozo não está só no júbilo, está na tensão irresoluta que faz do verso um ataque de nervos. Novamente, esse ataque pode ter um sentido de crise e de golpe (coup). O ataque de nervos é, ao mesmo tempo, uma crise de nervos e um nervo que golpeia.” (MAGALHÃES, 2020, P. 24)
[…]
“A leitura do verso como um ataque de nervos, ou uma crise, ou um golpe, tem ressonância com uma compreensão do verso como aquilo que se inclina para o acidente, e foi Mallarmé quem falou da poesia como um testemunho de um acidente (FELMAN, 2000, p.30). […] Ver o poema como testemunho de um acidente significa, portanto, vê-lo como um caminho ao outro como quem cuida de suas feridas, e vê-lo como aquilo que acolhe e inclui o que a política sempre excluiu: esses e essas que hesitam, desconexos, fragmentados, cheios de cortes e buracos, […]” (MAGALHÃES, 2020, P. 25-26)
[…]
“Todavia, esse gozo do verso que se dá por uma crise de verso tem como condição o corte que barra e produz diferença. Se pensarmos na crise como essa palavra que vem sendo falada nos últimos anos, referindo-se à política (com o objetivo, sobretudo, de golpear a presidenta Dilma e o governo PT), essa crise não tem como condição o corte, essa crise não é barrada, porque a crise é o sustento do capitalismo, ou seja, não há capitalismo sem crise, a crise é por onde o capitalismo goza. […] O gozo da crise de verso, ao contrário da crise política, é propulsor, a cada vez, de uma diferença, seja do sentido, seja da forma, não produzindo uma aniquilação e uma autodestruição, mas um acesso por onde se produz a diferença. Ao contrário do gozo atrelado ao horror, da crise que faz o capitalismo, temos, do outro lado, a crise de verso em que o gozo se atrela ao júbilo, ao lance como jogo, jogo erótico, abertura e possibilidade.” (MAGALHÃES, 2020, P. 29)
notas da autora
O curioso desse processo de estudo é que os poemas até aqui já estavam escritos e é legal ver como se entrelaçam com os temas. Em “cartas não endereçadas”, penso que vou ao outro e também à revolta. Mais ume vez como quem vai do amor ao horror. Nas próximas edições daremos alguns passos pra trás, vamos à suméria e à grécia antiga.
Na imagem acima temos Inana ou Ishtar, deusa suméria tanto do amor e do sexo quanto da guerra e da justiça. Um spoiler do que vem por aí. Finalizo com um poema que (pasmem kkk) também descobri na tese de Danielle.
fazer amor y política nem
sempre é simples; há
quem diga que o
primeiro nunca
é mais que sexo, quem de
fenda nunca menos que uma
guerra, a segunda.
(Tatiana Nascimento, de(s)feituras)
ah, feliz páscoa pra quem é de páscoa. ditadura nunca mais. até logo!
bjbjbj,
ótimas reflexões